humberto o sousa Ele acordou com batidas na porta da cozinha, o que o deixou assustado, pois, seria impossível alguém vindo da rua ter acesso a esta porta, então, consequentemente, era alguém que havia pulado o muro dos fundos. A mãe estava no trabalho e ele, havia acabado de dar baixa do Exercito e como era final de novembro decidiu que somente voltaria ao seu emprego em janeiro, estava sozinho em casa. Procurando não fazer muito barulho, abriu a gaveta do gabinete da pia e pegou uma faca, caminhou lentamente até a porta e a abriu, tomando o cuidado de colocá-la entre ele e o visitante, a faca, firmemente presa em sua mão esquerda, preparada para o que desse e viesse.
Era a Luzia, filha da vizinha do lado esquerdo, um ano mais nova do que ele e meio metida a besta, mas um tezãozinho.
O que aconteceu em seguida foi tão rápido que ele, muito tempo depois, ainda tentava compreender a real seqüência dos fatos.
Ela entrou rapidamente e fechou a porta atrás de si, atirou-se contra ele e beijou-lhe ardentemente os lábios, depois, pegando-lhe a mão direita, começou a arrastá-lo para a sala.
No corredor ele vê a sua carteira e, lembrando as palavras de seu Sargento: ”Nunca envie este pau imundo em lugar nenhum sem camisinha”, se solta de sua condutora para pegar um preservativo e só então nota que ainda segurava a faca.
Na sala, entre beijos, tiram a roupa. Ele deita-se no sofá e ela deita por cima, começam a se esfregarem e ela vai conduzindo, com o corpo, o pênis dele para a entrada de sua vagina e o que ele sentiu na ponta de seu pênis fez com que recuasse finalmente lúcido desde a entrada tempestuosa dela.
- Que houve? – ela pergunta e ele percebe que estas foram as primeiras palavras dela desde que chegou.
- Você ainda é virgem;
- E daí? Não quero mais ser.
- E que acho que não tenho o direito de tirar a tua virgindade. Somos vizinhos há uns dez anos e mal trocamos uma dúzia de palavras neste tempo.
Ela foi surpreendida pelo que ele falou e ele logo se arrepende de ter dito e tenta consertar:
- E você sempre pareceu nunca prestar atenção em mim. Em uma festa, há uns anos, acho que foi no aniversário da Marcinha, te chamei pra dançar e você perguntou se eu não me enxergava.
- É que eu sempre gostei de você e daquela vez você me pegou de surpresa e respondi sem pensar.
- Mesmo assim não vou tirar tua virgindade.
- Tudo bem, quero você e não importa como.
Durante a próxima hora eles fizeram de tudo um pouco até ficarem saciados e ela permaneceu virgem.
- Você me ajuda a pular o muro de volta?
No dia seguinte ela voltou a visitá-lo, novamente saltando o muro e novamente voltando para casa virgem, porem satisfeita.
Ela voltou somente seis meses depois.
Era maio, a empresa em que trabalhava ganhou contrato para uma obra no Kuwait, o salário era o triplo do que ganhava no Brasil e em dólares ainda por cima. Inscreveu-se, fez os testes psicológicos e os exames físicos, foi aceito, iria embarcar dali à quinze dias, sua mãe chorava pelos cantos, de saudade antecipada, mas conformada, pois o contrato assinado era somente de dois anos.
Acordou naquela manhã com a já reconhecível batida na porta da cozinha, era Luzia, que cabisbaixa, timidamente entrou cozinha adentro.
- Soube que você vai trabalhar fora do Brasil, é verdade?
- É, Surgiu a oportunidade de fazer um pé de meia e eu estou aproveitando.
- E a faculdade?
- Tranquei matricula, volto daqui a dois anos e retomo.
- Não sou mais virgem, você não quer se despedir de mim?
Claro que ele queria.
Desta vez foram para o seu quarto, dividindo a estreita cama de solteiro.
Ele não sabia o que era Nirvana, mas provavelmente seria algo semelhante (depois, os dois conversando, ele descobriu que ela havia experimentado algo parecido), pouco antes do clímax ele sentiu como se sua alma se desprendesse do corpo e do alto, junto ao teto, observava os dois se amando. Foi uma experiência que jamais se repetiu com mulher alguma.
Já estava no Kuwait há treze meses, quando recebeu carta da mãe avisando que Luzia havia casado. Sentiu uma tristeza profunda, um sentimento de perda, somente afogado com trabalho em excesso.
Ao fim de seu contrato, renovou por mais dois anos, não queria retornar ao Brasil, apesar da saudade que sentia da mãe.
A obra do Kuwait acabou após três meses e ele foi realocado para o Iraque, com uma pequena promoção. Foi lá que recebeu a notícia do falecimento da mãe, em telex remetido pelo escritório central da empresa que trabalhava.
A chefia da obra comunicou-lhe que estavam tomando providências para o enterro da mãe e para o seu retorno ao Brasil, tinha três férias acumuladas. Ele agradeceu, mas recusou as férias, se fosse possível ele gostaria de continuar trabalhado.
Recebia somente trinta por cento de seu salário, o restante era administrado pela mãe, que depositava em uma poupança, preencheu os formulários passando este encargo para a empresa, deveriam cuidar da manutenção e pagar as contas da casa depositando o restante, devendo a chave ser entregue para dona Maria Lúcia, mãe da Luzia.
Dona Maria Lúcia passou a escrever-lhe regularmente atualizando notícias da filha, será que ela sabia de alguma coisa sobre os dois?
Luzia havia tido um filho “que por coincidência chama João Carlos como você”, que o marido de Luzia havia entrado em depressão e havia suicidado “pedi para a tua mãe não te contar”, que Luzia estava noiva e iria casar-se novamente e por aí vai. Se a notícia do suicídio do primeiro marido o havia deixado com alguma esperança o novo casamento enterrou-a.
Os dois anos iniciais no Iraque transformaram em seis e meio. Finalmente ele iria voltar ao Brasil, pelo menos por seis meses, férias acumuladas. Depois ele veria se continuaria no Brasil, voltaria para o Iraque ou iria para uma de duas obras novas: Congo ou Bolívia.
Dona Maria Lúcia, ao receber a notícia de sua volta, mandou limpar e arejar a casa, abasteceu a despensa, as despesas foram todas ressarcidas pela empresa, mediante a apresentação dos recibos.
Ao entrar em casa, depois de tanto tempo, bateu-lhe uma profunda melancolia: recordações da infância, arrependimento por não vir ao enterro da mãe e muita saudade dela e, principalmente, a insatisfação por seu amor a Luzia.
Dona Maria Lúcia vem lhe trazer um pequeno lanche, estavam no meio da tarde, e enquanto ele come, ela, sentada a sua frente, conta que Luzia estava morando no interior e, quando soube de sua vinda, avisou que viria passar uma semana com ela, chegaria na manhã seguinte.
A ansiedade de tornar a vê-la fez com que tivesse, apesar do cansaço, uma noite péssima. Sua mente vagava em fantasias febris, que variava entre ela ainda ser a mesma garota de seis anos atrás, ainda virgem, até estar em uma obesidade relaxada, dente podre e suor fétido.
Pela manhã, já de plantão junto à porta da cozinha, abriu-a a primeira batida.
Luzia estava somente um pouquinho mais gorda, uma pequena cicatriz em seu supercílio esquerdo e o nariz, que ele descobriria depois que havia sido quebrado pelo último marido, levemente torto realçavam a beleza de seu rosto.
Não trocaram uma palavra sequer. Na sede da paixão transformaram a mesa da cozinha em leito de núpcias. Novamente ele alcançou o Nirvana.
- Quer se casar comigo?
- Te amo de mais para me casar com você.
- Não entendi o paradoxo.
- Minha mãe diz que tenho um carma ruim para homem. Aquele meu namorado, o que me tirou a virgindade, ficou tetraplégico, quebrou o pescoço ao pular na piscina. Meu primeiro marido suicidou. Tive um noivo que morreu em um acidente de carro. Meu último marido, era um amor de pessoa, de repente passou a me espancar todos os dias e está preso por ter matado um rapaz que, pensando que eu estava desacompanhada, me chamou de gostosa, estou me divorciando.
- Tudo isto é coincidência.
- Pelo sim e pelo não, nunca assumirei compromisso com você. Depois do divorcio virei morar aqui com a minha mãe e continuarei pulando o muro.
- Mandarei construir uma escada. O meu karma é esperar você pular o muro.