domingo, 7 de junho de 2009

A troca

humberto o sousa

Aquele era um daqueles dias em que nada deu certo e para encerrar o dia chegou atrasado na faculdade, perdendo a vaga do estacionamento, próximo ao prédio principal, tendo que estacionar na extremidade oposta.
Contrariado, estava pegando seu material quando ouviu um carro estacionando ao seu lado e o motorista, antes de desligar o carro, deu uma pequena acelerada, isto fez com que tivesse um início de ereção e, somente então, virou-se para olhar para o veículo ao lado.
O carro era um Passat de uns trinta anos, de cor cinza que o fazia pensar em geladeira e que parecia ter sido pintado a pincel. A motorista era uma mulatinha de traços miúdos, nariz fino e arrebitado e os cabelos, cortados chanel, alisados e tingidos de castanho claro.
Ele descobriu que estava apaixonado, pegou suas coisas correndo e saiu atrás dela. Ela era baixinha, tinha passos curtos e ligeiros e, com os pés levemente voltados para dentro, possuía um rebolado duro (com uma bundinha que gritava para o mundo “tenho, mas não te dou”). Decidiu que tinha que descobrir onde era a sala dela, qual o seu nome, o curso que fazia, ele tinha que falar com ela, tinha que lhe fazer a oferta.
Na saída, decepção, a vaga ao seu lado estava vazia, ela já tinha ido.
Nos dias seguintes, ele passou a chegar cedo, mas em vez de estacionar em sua vaga habitual, parava lá no fim do estacionamento e ficava esperando. Ela chegava sempre no mesmo horário, estacionava no mesmo lugar, a mesma acelerada antes de desligar (o que fazia com que ele tivesse ereções), o mesmo caminhar ligeiro de rebolado duro (“tenho, mas não te dou”). E ele a seguia.
Descobriu que se chamava Mariana, tinha 22 anos, estava no 3° de Matemática (ele não a tinha visto antes porque veio transferida de outro campus recentemente), no intervalo, na lanchonete, sempre comia uma esfiha com bastante molho de pimenta e tomava uma coca.
Uma semana depois ele tomou coragem e foi até ela – “Posso te pagar uma coca?”.
- Sim – Sua voz era suave e agradável.
Aproveitou e pagou-lhe também a esfiha e gentilmente foi buscar o molho de pimenta.
Na saída, ele já a estava esperando para acompanhá-la até o carro, e se ofereceu para carregar a sua pesada pasta. Ela timidamente aceitou. Caminharam lentamente até o carro dela, conversando sobre o tempo, sobre os respectivos cursos, sobre as expectativas para o futuro (ela iria ser professora de matemática como a mãe). Quando enfim chegaram aos carros ele lhe disse –“Amanhã e sexta feira, que tal se depois das aulas nos fossemos tomar alguma coisa?”.
- Adoraria, mas só se dividirmos a conta.

O dia seguinte passou lentamente, a ansiedade fez com que as horas não passassem.
Chegou mais cedo que o habitual ao estacionamento e quando ela enfim chegou, vinha com a mãe, que, apesar de branca e loira, era uma cópia envelhecida dela. Alguém já escreveu que para sabermos como será nossa esposa daqui a vinte ou trinta anos devemos olhar para a futura sogra, e ela quando estivesse com uns quarenta anos ainda seria desejável. Despediu-se da mãe, que levou o Passat embora, e foram caminhando, calados, sem nada para dizer um ao outro até o prédio.

Na saída ela já estava esperando, pegaram o carro dele e foram a um barzinho fora do circuito dos estudantes, ele não queria que nenhum conhecido atrapalhasse a conversa que ele tinha que ter com ela.
Depois de duas rodadas de chope, com ela já bem alegre, ele resolveu que era chegado o momento: “Olha Mariana, você deve ter notado que desde que nos vimos pela primeira vez eu tenho demonstrado certo interesse”.
-Eu também, sinto algo desde que te vi pela primeira vez.
Então fez a proposta.
Ela o olhou com os olhos arregalados, não acreditando no que estava ouvindo e sem nada melhor para dizer só perguntou - Pra que?
Contou seus motivos, e ela com lagrimas nos olhos, negou-se com veemência. Ele insistiu.
Ela disse que precisava falar com a mãe, pedir permissão, ele estranhou, mas concordou. Ela levantou e afastou-se da mesa, pegou o celular e, após teclar, começou a falar em voz baixa, tapando com a mão em concha o bocal para abafar o som do ambiente, concordou com a cabeça com algo que a mãe disse e passou-lhe o celular.
“Alo”.
-Por que você deseja trocar um carro praticamente novo por um de trinta anos caindo aos pedaços? Perguntou-lhe a voz autoritária do outro lado.
“Olha, eu sempre quis ter um como este e quando ouvi o som do motor do carro da Mariana sabia que era o que estava esperando”.
-Por que você sempre quis ter um carro como este?
“Eu sei que você deve estar estranhando, trocar um carro de dois anos por um de trinta, assim sem mais nem menos, mas é sonho de infância, ter um Passat verde musgo, teto solar e rodas de liga leve, claro que terei que reformá-lo, mas isso não vem ao caso”.
-Com o dinheiro que você iria gastar não seria o caso de comprar um já pronto, não sairia mais barato?
“A senhora não entende, foi o som do motor”.
-Uma última pergunta, a Mariana tem a mania do pai dela, acelerar o carro antes de desligar, foi isso que chamou tua atenção?
Ele concordou.
-O meu falecido marido tinha a mesma mania, quando ouvi pela primeira vez me apaixonei, só que pelo motorista e não pelo carro, me deixa falar com minha filha.
Devolvi o celular para Mariana, ela ouviu atentamente o que a mãe lhe dizia e desligou, virou-se para ele e disse – Me leve para casa.
O percurso foi feito em um silencio constrangido.
-Tenho que te contar uma coisa, disse ela quando chegaram ao prédio em que ela morava enquanto ele olhava o Passat.
-Não posso me desfazer desse carro, foi o primeiro carro que meu pai comprou, quando conheceu minha mãe era esse carro que ele dirigia e, segundo minha mãe, fui gerada no banco ai atrás. Meu pai sempre dizia que não podia vender por causa disso, e deixou-o para mim.
Minha mãe acha que isto é besteira e que devo aceitar.
“Olha, vou cuidar bem dele”.
-Tudo bem então, mas com uma condição, quando acabar a reforma quero que você me leve para dirigi-lo um pouco.
Ele concordou e eles trocaram as chaves e os documentos
Enquanto ela se dirigia para o portão de entrada do prédio, ele ficou acompanhando com os olhos aquele rebolado “tenho, mas não te dou” dela.
“Bem, até que ela não é de se jogar fora e este banco traseiro parece confortável”.

Um comentário:

  1. Que legal! Mantém o suspense e fecha com o inesperado. Nada piegas, nada "baboso", gostei mesmo...
    Abraços!

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