sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A moça da bicicleta

humberto o sousa


A moça da bicicleta seguia uma rotina diária, chovesse ou fizesse sol: ia pedalar todos os dias no final da tarde na praça da cidade.

Chegava sempre depois das quatro, quando a praça estava relativamente vazia, tendo como os únicos freqüentadores os aposentados com suas intermináveis partidas de dominó ou truco. Partia antes das cinco, hora em que chegavam os praticantes de caminhada que dariam infindáveis voltas em torno da praça, um percurso que conheciam com os olhos fechados.

Ela sempre trajava uma bermuda de ciclismo claramente sem calcinha e camiseta sem mangas. A bicicleta chamava a atenção pela regulagem do assento que era levantado ao máximo, fazendo com que a moça pedalasse quase em pé com a ponta do selim tocando o vão de suas pernas. Certa vez seu pai perguntou-lhe o porquê daquilo e ele, embaraçada, respondeu-lhe que era para exercitar os músculos do bumbum e das coxas.

Enquanto pedalava ela ia pondo os pensamentos em dia Pensava na faculdade que não acabava nunca e ela somente casaria depois de formada. Pensava no ex-namorado que queria dela muito mais que carícias e, como ela fez promessa de casar-se virgem, romperam. Pensava nas amigas que trocavam de namorado toda semana, algumas já com filhos, mal faladas por toda cidade e a mãe proibindo-a de se relacionar com algumas delas. Pensava sobre a melancolia profunda que a acometia e como a amenizava pedalando.

Ela seguia pedalando. Sua face triste aos poucos ia se iluminando aos poucos em um meio sorriso luminoso que era acentuado pelos olhos semicerrados.

Os senhores, que se entretinham com os jogos, ao verem o meio sorriso no rosto dela interrompiam as partidas e começavam a apostar, com toda a discrição, se o momento seria em frente a eles ou no lado oposto, se seria silencioso ou escandaloso e aguardavam.
Neste dia especial foi um show. Ela acelerou as pedaladas e a respiração e de repente o corpo se imobilizou, a bicicleta seguindo somente pela inércia, e, bem em frente às mesas de jogos, ela gritou: “Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhh ... cooooooooooomo éeeee bommmmmmmmmm.” Depois partiu sem olhar para os lados e nem notar os velhinhos que lhe sorriam em solidariedade.

No dia seguinte ela voltaria.

Um comentário:

  1. Humberto, não sei se foi a sua narrativa ou a foto que ilustra, me arreteu a pensamentos arrebatadores, ou não.

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