quarta-feira, 28 de julho de 2010

Retorno

humberto o sousa 

 

... teoricamente falando, claro. Eu meditei bastante e cheguei à conclusão que a vida é uma grande merda. Veja você que coisa esquisita, quando era garoto conheci uma menina horrível, gorda, cheia de bereba no rosto, mau hálito e dentes todos tortos. Ela falava para todo mundo que era apaixonada por mim e, lógico, eu morria de vergonha, mas nunca a destratei. Quando havia uma festinha qualquer eu sempre dançava uma ou duas músicas com ela para que se sentisse feliz. Uma semana antes do “grande evento” – você já deve estar cansada de ouvir esta história, mas vou continuar contando mesmo assim – fui ao meu banco renegociar um empréstimo e quem que era a nova gerente? Não precisa responder. Era ela. Como era da minha idade deveria ter uns quarenta e cinco anos, mas não aparentava mais de trinta. Eu não a reconheci de imediato, na verdade ela que me reconheceu e disse quem era. Estava linda, com o corpo perfeito, solteira e desimpedida, almoçamos juntos naquele dia e nos encontramos mais duas vezes antes de irmos para o motel, justamente no dia do “grande evento”.

- Por outro lado, casei-me com a mulher mais linda e meiga que já havia visto na vida, e quinze anos depois estava gorda, relaxada e rabugenta. Não diga que eu não a deixava trabalhar e fiz três filhos nela, não é esta a questão, os motivos não importam o que importa são as voltas que o mundo dá, ou dava.

- No dia do “grande evento”, depois de uma tarde maravilhosa passada no motel, voltei para casa e começou o inferno. Minha esposa queria saber aonde eu tinha tomado banho, o cheiro de sabonete e meus cabelos ainda úmidos não me deixariam mentir, então peguei o carro e saí. Entrei no primeiro bar decente e bebi, bebi, bebi. Bebi tanto que nem me lembro como cheguei aqui. Quando acordei e vi estas paredes brancas e esta luz intensa, mas que não fere os olhos, pensei que estava morto. Depois você entrou e começou a aplicar-me injeções, pensei que estava em um hospital. Só comecei a desconfiar de que não era uma coisa nem outra quando te reconheci. Você é uma mistura das duas: uma quando jovem e a outra já madura. Você é a mistura dos dois grandes amores da minha vida que somente poderia ser forjada pelo meu espírito e...

Neste momento ouviu claramente em sua mente um aviso curto e seco, mas de uma voz amiga e apaixonada: “Chegamos”.

Há certo tempo, ele e sua nave, foram atacados por três espaçonaves desconhecidas quando estava tentando fazer contato. Dispararam uma salva de mísseis atômicos e, se não fossem as paredes de mais de quinhentos metros a sua nave seria fatalmente destruída, fugiram. Os danos foram imensos e ele não poderia seguir os agressores, mas enviou uma sonda para acompanhá-los sem ser notada enquanto a sua nave se auto reparava. Duas semanas atrás finalmente recebeu uma mensagem comunicando o destino das tais neves, uma estrela a uns dez anos luz de distância e seguiu para lá e agora chegaram.

A sonda começou a enviar-lhe imagens. No princípio ele não acreditou, mas aqueles anéis eram inconfundíveis e depois a Grande Mancha Vermelha ainda estava no equador do maior planeta do sistema.

Uma lágrima lhe escorre pelo rosto. Após oito mil anos sem ver um rosto humano de verdade ele teria que destruir toda a humanidade. A missão daquela nave, e dele como seu único ocupante, era destruir as raças agressoras que porventura saíssem de seus planetas.

humberto.sousa@etec.sp.gov.br

Um comentário:

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