sábado, 18 de julho de 2009

O último fracasso

humberto o sousa

Ele olha para o céu noturno e se sente pequeno, finito e insignificante.
Olha para o passado e vê que a sua vida foi uma série de fracassos, desilusões e atos insignificantes e não há perspectiva de que o futuro seja melhor.
Senta-se no parapeito, uma garrafa de café e um sanduíche no colo, os pés balançando nervosamente no vazio, e aguarda o amanhecer.
Aos primeiros raios de sol a melancolia transforma-se em arrependimento, não pelo que pretende fazer e sim pela vida que não teve, as loucuras que não cometeu, os porres não tomados e as mulheres que não comeu. Levou uma vidinha burocrática com receio do que as pessoas iriam dizer a seu respeito.
“Minha vida foi uma merda, pelo menos espero ter uma morte apoteótica”.
Este pensamento o deixa feliz, se é que se pode chamar de felicidade a aquele sentimento que era apenas um jato de adrenalina causado pelo pensamento na morte, mas vá lá.
Sente vontade de falar com a mãe, dizer-lhe que a ama, pega o celular e faz a ligação.
-Alô, atende a mãe com voz de sono.
-Oi mãe, sou eu, desculpa estar ligando tão cedo.
-Bom dia filho, eu já deveria ter levantado, hoje é dia de ir ao banco receber a aposentadoria. Ontem fui deitar tarde, teu irmão veio aqui jantar com tua cunhada e os teus sobrinhos.
Pelo tom de voz da mãe ele percebeu que tinha sido um erro ter ligado, mas já era tarde.
-Perdoa mãe, não estava me sentindo bem – era mentira, ele havia esquecido que era aniversário da mãe.
-Mas você deveria ter ligado, ou pelo menos ter pedido pra sirigaita da tua esposa ligar.
-Mãe, foi a senhora que me apresentou ela dizendo que daria uma excelente esposa. Só me casei com ela para te ver feliz.
-Nora é a tua cunhada, que sempre ta ligando para saber se não preciso de nada e filho é o teu irmão que vem me ...
Ele desliga o telefone, não queria continua ouvindo a cantilena da mãe pela enésima vez.
Ele toma café e come o sanduíche enquanto observa o viaduto lá embaixo, já é quase oito horas e, em breve, alguém o veria sentado no topo do prédio, apontaria e chamaria a atenção dos pedestres, alguém ligaria para os bombeiros e outro para os canais de televisão. Os carros parariam e os ocupantes desceriam para observar. Ele pararia a cidade.
Nove horas, a aglomeração lá embaixo está enorme, helicópteros da policia e das televisões circulam o edifício e, ao longe, ele houve a sirene dos bombeiros. Ele vira-se, senta dando as costas para o vazio e olhando para a porta de acesso ao topo do prédio, não queria ser pego distraído.
O celular toca, é o seu irmão.
-É você mesmo que estou vendo pela televisão?
-Sim sou eu mesmo - ele responde com satisfação, pela primeira vez recebia mais atenção do que aquele filha da puta. Te amo, dê um abraço de despedida na Mara e beije as crianças por mim.
Desliga.
Lá embaixo ele ouve as sirenes sendo desligadas, eles chegaram. Quando os bombeiros abrirem a porta ele, dramaticamente, jogara o corpo para traz e será o fim, nada de ficar perdendo tempo dialogando com eles.
Celular toca de novo e é a esposa.
-Teu irmão ligou. To te vendo na televisão. Pare de frescura e venha imediatamente para casa.
-Sim amor.
Desliga bem na hora que a porta se abre e ele salta para frente.
Abre os braços, mostra aos bombeiros a garrafa térmica e diz:
-Desculpem, só sentei aqui para comer meu lanche. Alguém poderia me levar para casa?

3 comentários:

  1. Achei que ele ia voar... rs
    Afinal só queria mesmo era mostrar-se e chamar a atenção. Penso que este não foi o seu último fracasso...
    Gostei, amigo!

    Abraços
    Luísa

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  2. Nossaaaaaaaaaaaaaa... amei seu blog... tu escreve bem para caramba... quando tiver um tempinho, dê uma passadinha lá no meu tb e vê o que vc acha, ok?

    Bjim e ótima semana...

    Fê...

    PS: Virei seguidora do blog, viu?

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  3. É de sua autoria?? O tema é recorrente, mas foi retratado com um talento, um pulso, uma direção invejáveis.

    Parabéns!!

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