terça-feira, 1 de junho de 2010

Circulo de sombras

humberto o sousa

Houve um tempo, antes do tempo, em que ele não existia, mas a partir da criação do tempo, ele tinha consciência de todas as suas vidas. Estas recordações não surgiram simplesmente. Foi um processo doloroso e difícil que levou muitos anos de sua confusa vida.

Quando ele tinha nove anos incompletos começou a ver sombras tênues, mas somente com os cantos dos olhos, que circulavam ao seu redor, rente ao chão, e que pareciam que se afastavam medrosas ao seu avanço, procurando sempre manterem uma distância fixa entre elas e seus pés.

A partir do momento que ele começou a ver-las, as tais sombras, houve uma mudança significativa em sua vida, os garotos que o importunavam e o agrediam por causa de sua gagueira, passaram e evitá-lo, muitos, até, desviavam a vista quando ele os olhava querendo saber o que estava se passando, afinal, apesar de tudo, eles eram as únicas crianças que falavam com ele ou o tocavam, mesmo sendo somente para xingá-lo e socá-lo.

Com o passar do tempo, à medida que se acostumava com a solidão, também as sombras foram tornando-se mais nítidas, ele quase as podia ver olhando diretamente para elas, ou para ela, pois, se antes ele via diversas siluetas separas, agora ela tomou a forma de um sólido anel, ou antes, uma serpente que engolia o próprio rabo, e não passava mais a sensação de fuga medrosa ao seu avanço, mas uma barreira de proteção entre ele e o mundo exterior.

Sempre ouvirá falar de anjos da guarda, e ele era uma das poucas pessoas do mundo que conseguia ver o seu, o que mais poderia ser se não um anjo que, desde a sua chegada, ninguém o agredia mais, nem mesmo o pai, que passará a ter uma expressão medrosa à sua presença. Ele morria de rir internamente quando ouvia as pessoas ignorantes dizerem que os anjos eram seres de luz, na verdade era o contrário, eram seres de trevas e sombras que não voavam com suas asas brancas, mas rastejavam aos pés dos mortais.

Ao completar vinte anos, o pai em um acidente besta, daqueles que só acontece uma vez a cada milhão de anos, engasgou ao tomar um copo de vinho e, ao tossir descontroladamente, estourou parte do intestino, morrendo três dias depois de infecção generalizada, fedendo à merda e carne podre. Assumiu a pequena mercearia da família, e descobriu seu verdadeiro dom: ganhar dinheiro. Cinco anos depois era o proprietário de uma rede de doze supermercados, que lhe rendiam dinheiro suficiente para saciar seus vícios sexuais, fosse com homens ou mulheres, nunca ambos, que lhe foram surgindo ao longo do processo de ficar rico.

Somente havia uma pessoa próxima a ele, Clara, a governanta de sua residência. Nela ele via uma tênue linha negra circundando-a, que se encolhia toda quando ele se aproximava. Ela o ajudava a encontrar parceiros, depois lhes providenciava socorro médico e distribuía gratificações generosas para que se calassem. Quando não havia ninguém, ela mesma se submetia, apesar de ele não gostar muito, não enxergava terror nos olhos dela, somente prazer.

Certa noite ele sonhou que uma figura se destacava de sua sombra companheira, vestia-se como legionário romano, feições indistintas. A figura avançou em sua direção e penetrou em seu corpo e ele deixou de ser ele mesmo e passou a ser o legionário em pleno campo de batalha, ouvindo os gritos de seu general, Varus, que a cavalo, desfilava entre os soldados, incitando-os a tomar a aldeia alemã fortificada. Ele sentiu a alegria da vitória, gozou com a ordem para o saque, sentiu prazer ao violentar uma garotinha de uns oito anos que depois matou a dentadas.

Ao acordar ele tomou consciência de que aquela vida, a do legionário, foi a dele e o desejo de reviver aqueles atos foi maior do que todos os desejos que já sentirá em toda a vida.

No caminho de volta do trabalho, em um sinal fechado, uma menina bate no vidro de sua janela perguntando se ele queria comprar balas, ele sente um formigamento nos testículos. Ele tinha que possuir aquela menina e tudo o que aconteceu depois foi como se estivesse sendo dirigido por uma entidade maior e ele estivesse em meio a um sonho. Pergunta quem a está acompanhando e ela responde que a mãe e o irmão mais velho e ele pede que ela fosse chamar a mãe enquanto ele estaciona e a mãe vem e ele diz para a mãe que o filhinho dele que está fazendo aniversário e que está muito doente e ele iria comprar um bolo para ele e talvez fosse o último bolo de sua curta vida e se ela com os filhos não gostariam de ir cantar parabéns para o filhinho querido dele e ele depois os levaria para casa e lhes pagaria cem reais o que ele não podia deixar de fazer era dar esta última alegria para o filho e eles mãe e filhos entram no carro e ele se dirige para o seu sítio que era isolado e o caseiro morava distante e não ouviria os gritos liga para a Clara pelo celular e fala que está indo para o sítio “comemorar o aniversário do filho” e era para ela ir para lá imediatamente quando eles chagam no sítio ele abre a porta e pede para que a mãe entre primeiro com os filhos e na hora que ela lhe vira as costas ele lhe dá um violento soco nos rins e ela se dobra toda e ele lhe dá uma joelhada no rosto e os filhos ficam estáticos sem entender o que está acontecendo e ele pega as crianças pelos braços e os amarra na sala volta para a mãe e a arrasta para um dos quartos e a amarra na cama volta para as crianças e pega a menina e a esbofeteia e a arrasta para outro quarto onde também a amarra e volta para sala para cuidar do garoto e quando Clara chega ele está saciado, mas o garoto está morto e Clara não demonstra surpresa mas sim excitação e se dirige para o quarto onde está a garota e ele lhe grita que a garota e dele e lhe aponta o outro quarto e então ele dorme e sonha agora que é um frade espanhol do início da exploração das Américas e que em nome de nosso senhor Jesus Cristo que nome abominável pratica as maiores torturas contra os nativos da América Central e ele acorda tendo novos desejos sem saber quanto tempo havia dormido e o garoto morto já não estava mais lá e ele se levanta e vai procurar Clara e a encontra totalmente nua de quatro com uma das mãos ela manipula um enorme cassetete enfiado no próprio anus que sangra e a outra mão manipula um alicate nos dedos da mulher e Clara está com a cabeça enterrada entre as pernas da mulher e ele vê que a sombra que circunda Clara não é tênue e fina mas tão grossa e espessa quanto a sua e não se contrai com a sua aproximação mas avança em direção dele e se enrola em seu próprio circulo sombrio e ambas as sombras enrodilhadas em uma só lhe abrem passagem para que ele alcance a cama e Clara tira o rosto de entre as pernas da mulher que está desmaiada e sua boca esta ensangüentada ela havia acabado de comer a vulva da mulher e lhe sorri um sorriso que todos considerariam de uma loucura insana mas para ele foi o mais doce dos sorrisos e ele se apaixona sabendo que passaria o resto da eternidade ao lado dela com seus anjos da guarda enroscados lhes servindo de escudo e ele lhe beija a boca ensangüentada e ela lhe mostra um prato de carne cozida ao lado da cama e ela lhe conta que cortou um pedaço da criança morta cozinhou e deu para a mulher comer e depois lhe contou que era carne do próprio filho e ela não agüentou e desmaiou e ele lhe fala para esperarem ela acordar para poderem juntos se divertirem com ela e depois irem cuidar da menina e então ele houve o barulho de porta sendo arrombada pessoas correndo e então vê policiais vindo na direção deles e ...

O que ele não sabia era que o caseiro havia ido à cidade no dia anterior, tomou umas a mais e acabou dormindo por lá mesmo e, ao voltar, virá os carros do patrão e de Dna. Clara em frente à entrada da casa e resolveu dar uma olhada pela janela da cozinha para ver se estava tudo bem, se eles precisavam de alguma coisa, e o que viu vez com que saísse correndo, vomitando, de volta para a cidade para avisar a polícia.